top of page

CAIO SENA BONFIM

3675e7886471f30f5abf2fde69b2-1434403.jpg!d.jpg

GIANETTI BONFIM E JOÃO SENA

O início de uma história

gianetti.PNG

Gianetti junto da delegação brasileira feminina de atletismo

Gianetti Oliveira de Sena Bonfim, 56 anos, é uma mulher de muita fé. Diz que toda a sua vida foi guiada por Deus, guiando-a e sua família em meio a diversas dificuldades. Em qualquer oportunidade, gosta de citar Efésios 3:20, versículo do novo testamento da Bíblia: ‘’Deus é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, mediante seu poder que atua em nós’’. 

 

E com este período, pode-se definir a sua vida. A garota rebelde, nascida em 1965 em Sobradinho, ou seja, da primeira geração de brasilienses natos, nunca seguiu os padrões impostos para o público feminino. Se mantinha longe de bonecas ou casinhas. O seu gosto era estar na rua, em meio aos meninos batendo bola, andando de bicicleta ou soltando pipa. Filha de pais separados, teve pouca proximidade com a mãe - que era empregada doméstica - e o pai acabou por ser o responsável de cuidar dela e de seus irmãos, mas de uma forma agressiva. 

   

Ainda quando garota, perdurava dois sonhos em sua cabeça e, por caminho do destino, ambos se conflitaram em um certo momento futuro: se tornar advogada ou atleta. Não tinha preferência por algum esporte em específico, querendo apenas representar o Brasil de qualquer forma. Segundo ela, nunca imaginou que poderia acontecer, já que viveu uma infância financeiramente instável em uma região administrativa e considerava imprevisível determinar um futuro perante tais condições. Mal sabia o que a trajetória que a vida lhe guardava. 

 

Durante a época de escola, mais precisamente no Centro Educacional 02 de Sobradinho conheceu e admirou um de seus professores de educação física: João Evangelista de Sena Bonfim, que se tornaria seu futuro marido. Porém, antes mesmo disso, ela garante que adorava praticar uma grande variedade esportes, como basquete, vôlei, handebol, mas depois que João apresentou-a ao atletismo, encontrou a sua verdadeira paixão - e que possibilitaria de seguir o seu maior sonho de se tornar uma atleta de alto rendimento a nível nacional.

 

‘’Quando apresentou o atletismo para a turma, eu gostei muito e ele acabou me convidando para correr. Comecei a treinar e a participar de corridas de fundo - 5 e 10 mil metros e maratona -, jogos universitários, mas nunca fui uma corredora muito boa. Acabei fazendo de tudo no atletismo. Lancei disco, fiz revezamento 4x100. Gostava tanto de estar no meio que tudo acabava se tornando diversão. Por vezes, disputei o Campeonato Brasiliense de Atletismo e entrava em todas as provas que podia. Voltava para casa recheada de medalha no domingo’’

 

Ao completar 18 anos, Gianetti decidiu casar-se com João. Ao mesmo tempo, terminara o seu curso de direito no Centro Universitário de Brasília (CEUB), caminhando para seguir mais um de seus sonhos. Estagiou em diversos escritórios, sempre sendo muito bem quista por onde passou. Porém, o atletismo ainda a consumia. Em meio a sua rotina de trabalho, ela treinava em alto rendimento e voltava a sua atenção para as provas de 5 e 10 mil metros. Em 1986, aos 22 anos, deu a luz ao seu primeiro filho, Evam Sena Bonfim. Graduado em jornalismo e alocado na área de marketing do Conselho Nacional da Indústria (CNI), cresceu, segundo sua mãe, apaixonado por leitura e, principalmente, pela música, mas nunca acabou seguindo o caminho esportivo dos pais. Ele até tentou seguir os passos da mãe e chegou a competir na marcha atlética durante a sua adolescência, porém, desistiu após ser desqualificado de forma injusta em uma de suas provas. 

 

Três anos depois, em 1990, João, à época integrante do Sobradinho Esporte Clube, decidiu junto de Gianetti, fundou o Centro de Atletismo de Sobradinho (CASO), sediado na própria região administrativa. A finalidade principal do projeto sempre foi o âmbito esportivo, com foco na formação de futuras promessas, porém, também destaca-se no âmbito social. João e Gianetti passaram a ter um papel muito representativo na vida de seus atletas. Atualmente, dentre alguns dos principais atletas estão: o próprio Caio Bonfim - que também auxilia na parte operacional do centro de atletismo - e Adson Quintino do Nascimento de Souza.

 

‘’Nós somos um clube relativamente pequeno, Não somos de grande porte, mas conseguimos revelar atletas campeões nacionais, sul americanos, que competem em campeonatos mundiais e até nas Olimpíadas. E muito disso é devido a nossa entrega, esforço e trabalho feito desde os primórdios: dando tênis, vitamina, comida para atletas que precisam. Fomos construindo isso até nos tornarmos um clube respeitado hoje em dia. É um trabalho de família mesmo. Eu, João e Caio vivemos para isso’’

 

 

 

 

 

 

 

 

A modalidade necessita de uma técnica detalhada e com uma determinada sincronia na passada. Ela cita que, na ocasião, ouviu de um jovem companheiro de clube que já era marchador: ‘’Eu te ensino. Rapidinho você pega a técnica e consegue fazer a prova’’. Foi  assim que Gianetti encontrou o que lhe proporcionou as maiores alegrias de sua vida.

‘’Entrei como uma certa brincadeira e acabei ganhando a prova, porque como era uma prova de longa distância e eu já tinha pulmão para ‘’correr’’ esse tipo de trajeto. Só não tinha a técnica apurada da marcha atlética. Um treinador de marcha atlética que estava na competição, após o encerramento disse que gostou do que viu e perguntou: ‘’Por que você não investe nesse esporte?’’. Parei e refleti: ‘’Por que não?’’. Eu não era uma corredora de ponta e meu marido treinava as duas melhores atletas do Brasil. Pensei acho que irei investir’’

E seria no ano seguinte, em 1991, que um novo ponto de partida seria iniciado na vida de Gianetti: nasceria o mais novo atleta da família, Caio Sena Bonfim. Após o período de gravidez, a atleta teve inúmeras dificuldades para retornar a sua forma física. Treinava arduamente, dava tudo de si, porém não conseguia alcançar o nível necessário para se tornar uma atleta de topo na categoria que desejava seguir. Foram nas proximidades da disputa de mais um Campeonato Brasiliense de Atletismo, em outubro de 1991, que ouviu de João as duras palavras que não poderia participar nas duas provas que tanto treinava, já que outras atletas com um nível superior a Gianetti - as renomadas e consideradas as melhores do país naquele momento, as também brasilienses Carmem de Oliveira e Solange Cordeiro - ocupariam as poucas vagas disponíveis. Porém, tudo na vida vem com um propósito. É como ela sempre diz: são coisas que Deus proporciona.

João pensou e decidiu oferecer uma nova alternativa para Gianetti: disputar a prova da marcha atlética. Uma modalidade não tão conhecida e que, na ocasião, não havia nenhuma atleta feminina interessada em disputar. Ela parou, pensou, refletiu e as dúvidas tomaram os seus pensamentos. Afinal, não seria apenas correr - que segundo ela, pode ser feito “de qualquer jeito’’.

3675e7886471f30f5abf2fde69b2-1434403.jpg!d.jpg

Saúde do filho

Demorou para que Gianetti batesse o martelo e decidisse mergulhar de vez no universo da marcha atlética. No total, foram três anos maturando a ideia em seus pensamentos. Período esse que foi esperado por um motivo delicado: a saúde de Caio. A infância do garoto foi complicada, enfrentando inúmeros problemas como: pneumonia dupla, meningite, deficiência na imunidade e de cálcio; além de alergia ao leite materno. E no momento em que começou a andar, acabou por sofrer com um entortamento de suas pernas, mas entraremos nesta parte um pouquinho mais para frente.
 

Não foi um período fácil para Gianetti, que tinha como uma de suas missões de vida ser mãe, cuidar e proporcionar aos seus filhos o máximo que pudesse. ‘’Eu não tinha condições psicológicas e emocionais de treinar em alto rendimento e acabei deixando esse sonho um pouco de lado. Quando ele cresceu, conseguimos resolver os problemas. Fez a cirurgia de correção, ficou bem, parou de ficar doente e aí, foi quando pude pensar em mim novamente e comecei a treinar de fato, igual deve ser feito por uma atleta de verdade’’, afirmou.


 

 

E até que, aos 29 anos, retornou oficialmente aos treinamentos - período duro para Gianetti. Ser atleta de alto rendimento requer a exclusividade ao esporte, traz consigo o esgotamento físico e emocional, o afastamento do cotidiano ‘’padrão’’ e, principalmente, da vida social. Por seis meses, batalhou arduamente, suando a camisa e voltando para casa exausta após longas quilometragens percorridas. Pela manhã, praticava a corrida e a parte técnica; e pela tarde, dedicava-se apenas à musculação. No total, foram 10kg perdidos e a sensação de que estava preparada para uma nova jornada.
 

Em março de 1996, Gianetti viajou para Itajai-SC, onde disputaria a Copa Brasil de Marcha - que podemos relacionar ao Campeonato Brasileiro no futebol -, competição que marca a abertura do calendário da temporada de competições de atletismo. Uma desconhecida em meio aos demais atletas, chegou tranquila à cidade catarinense e direcionou-se ao hotel sem muito alvoroço ou preocupação: queria apenas fazer o seu melhor e provar que era sim capaz de ser uma atleta de alto nível.

 

Ela não apenas se provou para o público presente ao vencer a disputa, mas também bateu o recorde brasileiro na prova dos 10 km. O que parecia ser apenas uma vitória, seria uma porta de entrada para um ano que utilizou apenas uma palavra para descrever: ‘’maravilhoso’’. Em seguida, foi terceira colocada no Campeonato Sulamericano - se tornando a primeira marchadora brasileira a vencer uma medalha internacional - e foi disputar o Campeonato Ibero-americano de Atletismo - competição que reúne atletas de todos os países que falam português e espanhol - na Colômbia. Novamente venceu. Segundo ela, este fato representou um salto na modalidade feminina no Brasil e também em sua vida, que mudaria da água para o vinho.

 

‘’Quando as brasileiras chegavam para a competição, as adversárias logo falavam: ‘’Ufa, nós não seremos mais as últimas’’. Essa vitória foi maravilhosa e deu muita repercussão nacional. Meu salário no clube triplicou, passei a ganhar passagens de avião, já que, anteriormente, era só de ônibus. Então assim, a minha vida como atleta deu um salto gigantesco. A marcha atlética ainda é uma modalidade que segue engatinhando no Brasil. Nós ainda buscamos reconhecimento e valorização, mas na época, eu realmente me sentia uma pessoa mega valorizada dentro do que fiz’’

Gianetti e Caio

3675e7886471f30f5abf2fde69b2-1434403.jpg!d.jpg

Inspiração

 

A família acordava cedo naquela época. Enquanto Gianetti se desdobrava em meio a marcha atlética, o filho mais novo, Caio, observava atenciosamente o esforço da mãe ao longo da carreira, acompanhando toda a sua rotina de treinamentos, entrevistas e competições que disputava. Segundo ela, o garoto era muito hiperativo, sempre correndo de uma lado para outro e transformava qualquer objeto em bola. Ali, percebera: ele tinha tudo para também seguir no ramo esportivo.

 

Porém, inicialmente, ser um marchador não era a prioridade de Caio. O futebol foi o primeiro esporte que decidiu praticar e tentar uma carreira profissional e Gianetti se dividia entre ser uma profissional nas pistas e também em casa: a sua rotina de treinos foi adaptada para auxiliar o filho nesta caminhada. ‘’Nesta fase, acompanhei-o em todos os jogos, levava em todos os treinos. Diariamente, tinha que treinar 15 km. Quando o Caio tinha jogo às 8h, eu levantava três horas antes para fazer o meu treino e estar pronto na hora do jogo``, completou.

 

O futebol acabaria não sendo o futuro do garoto. Aos 16 anos, decidiu que abandonaria o futebol e seguiria os passos da mãe na marcha atlética. Essa decisão, segundo a família garante, foi uma escolha de Caio, sem interferência dos pais. Coincidentemente, a vontade dele de se tornar um marchador, chegou em meio a uma fase em que Gianetti adentrava: a iminente chegada da aposentadoria.

3675e7886471f30f5abf2fde69b2-1434403.jpg!d.jpg

perspectivas

A carreira de Gianetti perdurou até os 43 anos de idade. À época, não era apenas a única atleta remanescente de sua geração competindo em grandes competições, mas também era a primeira no ranking brasileiro da categoria. Em 2008, disputou a sua última prova, garantindo a quarta colocação no Troféu Brasil de Atletismo, até que, lamentavelmente, uma hérnia de disco impediu-a de marchar. Mesmo com a realização de uma cirurgia, não conseguiu retomar aos treinos em alto rendimento. Até tentou, mas realmente, era o momento em que a carreira de Gianetti - como atleta - chegaria ao fim. Era a hora de ‘’pendurar os seus tênis’’ e buscar novos ares. Afinal, era isso que ela pensava...

 

Durante seus 14 anos de carreira, conquistou cerca de 16 títulos - sendo campeã sete vezes consecutivas do Troféu Brasil de Atletismo e oito vezes consecutivas da Copa Brasil de Marcha Atlética, além de quatro vezes medalhista no Campeonato Sul-Americana de Atletismo. Tais conquistas, definitivamente, consagraram-a como a maior marchadora brasileira feminina da história. Porém, o que seria da vida de Gianetti sem a marcha atlética? Ela diz que o novo futuro que começara a traçar foi, de início, como uma brincadeira: em uma das viagens da família a Aracajú-SE - enquanto ainda estava ativa como atleta -, Gianetti estava treinando nas areias sergipanas, até que notou um movimento ao seu lado: era Caio, dizendo que se juntaria à mãe naquele momento. 

 

Ela, futuramente, se tornaria a treinadora de seu filho. Como é a vida, não? Em épocas anteriores, via-se como a maior apoiadora de seu filho na prática futebolística e após a decisão repentina do garoto, seria a responsável por ensinar tudo que sabia para que Caio se tornasse uma estrela no esporte. E, convenhamos, se tornou...

 

 

 

 

 

 

E com esta nova fase de sua vida, Gianetti buscou aprimorar-se constantemente. Realizou esforços para estudar ainda mais o esporte, reciclar suas técnicas e práticas e transmitir o seu conhecimento de uma forma eficaz. E conseguiu, tornou-se treinadora oficial, registrada e com experiência obtida em diversos cursos no exterior. 

Atualmente, Gianetti dedica-se integralmente ao treinamento de atletas. Inclusive, ela costuma dizer que se tornou quase uma mãe para eles. Junto de João, no CASO, realizam um trabalho não apenas esportivo, mas também social.  O resultado positivo não é visualizado apenas com o trabalho junto de Caio, que se tornou um atleta olímpico, mas também com outros atletas - como por exemplo, Elienai Pereira, que disputou o mundial de atletismo em Doha na categoria dos 50km.

 

‘’Acordo, faço café, arrumo a casa, treino os meninos, acompanho-os de bicicleta para auxiliá-los de perto na parte técnica, faço hidratação, levo no médico, ao fisioterapeuta. Quase uma mãe deles. É muito gostoso e é algo que realmente não esperava que acontecesse. Se tornar uma treinadora reconhecida mundo afora foi uma guinada diferente e inimaginável na minha vida’’

‘’Tudo começou neste momento. Nunca imaginei que seria treinadora e muito menos do meu filho. Achava que iria me aposentar e iria advogar, seguir meu outro sonho. Sabia que era boa no que fazia, já que sempre fui muito elogiada nos meus estágios que fiz e pensei em seguir essa carreira e, possivelmente, ganhar muito dinheiro. Até porque como atleta, nunca ganhei tanto dinheiro. Costumo dizer que entrei brincando de ser treinadora, a coisa ficou séria e agora não me vejo fora disso. Troquei um salário de R$ 60 mil por um de R$ 6 mil, mas estou extremamente feliz com o que faço’

Gianetti e João juntos após título

bottom of page